Nos 30 anos do fim da União Soviética, entenda o movimento inspirado na estética.
Desde o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas há 30 anos, o país continental ainda influencia estilos e movimentos derivados de sua singular história. Visto nas passarelas a partir de 2016, o estilo post soviet é um reflexo da história indumentária russa bem como é considerado o sucessor do vestuário soviético, desenvolvido durante os primeiros anos de poder do Partido Comunista. Com símbolos gráficos, alfabeto cirílico e figurino normcore, o movimento se inspira no momento de colisão entre o modelo socialista e o início do capitalismo selvagem.
A contracultura como protesto
Nessa época, a contracultura começou a influenciar a moda que antes era ditada pelo governo. Com o início da abertura de mercado, marcas como Adidas começaram a chegar no país e as pessoas começaram a misturá-las com roupas desenvolvidas pelas confecções estatais. De acordo com o historiador Jones Manoel, mesmo havendo muitos soviéticos que não fossem descontentes com o governo, havia aqueles que se manifestavam pela forma de se vestir: “O consumo da contracultura como forma de protestar a cultura vigente era a forma de assimilar uma estética punk ou rock, vinda dos Estados Unidos”.
A contracultura foi excepcional para a influência dos estilistas pós sovietes. Agora movidos por um sentimento de nostalgia do socialismo no leste europeu, artistas utilizam de sua voz e criações para protestar contra a supressão de direitos que ex-repúblicas como Rússia, Ucrânia e Chechênia praticam atualmente, em especial contra a comunidade LGBTQIA +, após o fim da União Soviética em 1991.
A cena de criadores locais hoje
O pioneiro dos pós sovietes foi Gosha Rubchinskiy seja com sua linha homônima, seja com sua marca de skate Paccbet. O estilista russo fez sua estreia em Moscou em 2008, mas foi há cinco anos que ele fez seu debut internacional. A coleção da primavera verão 2016 foi inspirada na juventude periférica soviética dos anos de 1980 e 1990, que costumava utilizar trajes esportivos regularmente, em razão das Olimpíadas de Moscou em 1980. Com maquiagem punk, os modelos desfilavam com roupas monogramadas com a foice e martelo, inspirada na mesma criação das artistas da moda construtivista Varvara Stepanova e Lyubov Popova.
Após essa coleção, Burberry, Adidas e Comme des Garçons embarcaram na estética em parceria com Rubchinskiy. Adidas e Burberry já fazem parte da história do país por serem as primeiras marcas internacionais a chegarem pós perestroika. “A estética nostálgica é relacionada com a memória afetiva das pessoas, como símbolo de sua origem e com votos de renovação política”, justifica Rubchinskiy ao trabalhar sua estética internacionalmente.
Outro estilista que se lançou no mercado da moda abordando as raízes soviéticas na Vetements é Demna Gvsalia, estilista atualmente à frente da Balenciaga. Em 2016, Kim Kardashian virou manchete ao usar um moletom vermelho com símbolo do Partido Comunista, produzido por Gvsalia. Depois desse episódio, as referências anti-fashion oriundas de sua juventude na Geórgia estiveram presentes em todas suas coleções. Como exemplo, a coleção da Vetements de primavera verão 2018 quando ele utiliza uniforme de trabalho como outfit e um grande pano de prato com calendário como saia ou na coleção em parceria com empresa de entregas de DHL. Em outras coleções, ele também apresenta a bagagem cultural da grande mãe Rússia, na qual já viveu. Sempre com símbolos que referenciam a figura materna, como vestidos floridos, babushka e sacolas de mercado coloridas.
Também se inspirando na ideia materna popularizada no novo oriente, a marca Berhasm desenvolveu a coleção chamada “Mãe do Tecno”. Nela, o coletivo formado desde 2018 por jovens artistas da Rússia, Ucrânia e Geórgia aderiu jaquetas de couro em vinil, símbolos têxteis da Geórgia, bem como vestidos com a estampa da bandeira do país. Também foi apresentado roupas oversized combinadas com lenço babushka, que é a chave que liga ao tema desta coleção. Idealizada por Beso Turazashvili, a marca usa sua voz e prestígio na noite moscovita para se manifestar contra a opressão política e sexual na Rússia e Ucrânia, onde acontecem constantes violências contra a comunidade LGBTQIA+.
Desde que a Ucrânia se tornou um país controlado pela extrema direita nacionalista, houveram processos de descomunizacão que promoviam a retirada de símbolos do partido bolchevique e a proibição da “promoção comunista”. Nesse contexto, quem se posicionou contra esses movimentos foi a estilista Yulia Yefintchuk. Nascida na Ucrânia, Yulia é uma das poucas criadoras que homenageia abertamente a era soviética. Em entrevista ao FFW, Yulia conta que cresceu durante a Perestroika e os símbolos soviéticos faziam parte do seu cotidiano. Desta forma, a arte comunista é o que guia ela: “sou interessada em explorar o passado, analisando e procurando por respostas na moda e arte. É importante trazer informação com as roupas. Toda coleção é carregada com um significado semântico”, comenta.
No Brasil também chegaram as influências do novo oriente. Na segunda coleção apresentada no São Paulo Fashion Week (N51), a Freiheit de Marcio Mota se inspirou no construtivismo russo desenvolvido na década de 1920. As letras cirílicas que traziam o astral punk e a influência artística soviética foram impressas nos figurinos funcionais da marca. Além de Freiheit, a Class é outra marca de streetwear que apresenta influências pós-soviéticas. Original de Santo André, no ABC Paulista, a marca surgiu em 2014 pelas mãos de Eric Cesar e Rafaela Sayuri. Bebendo na fonte de Gosha Rubchinskiy, Class apresenta roupas que flertam entre o streetwear e o sportswear, com peças oversized e uma acidez irônica ao tema da peça. Assim como os artistas do leste europeu, a Class volta seu olhar para a perspectiva da periferia e usa sua voz para falar pelas roupas.
Nem tudo é foice e martelo
Nem todas as marcas inspiradas ou ditas pós-soviéticas fazem o uso da foice e martelo para contar sua história. Algumas marcas utilizam de criações e inspirações culturais que hoje são intrínsecas à cultura russa. Ainda que existam aqueles que homenageiam as imagens e símbolos do passado comunista da Rússia, também existem aqueles que vêem problemas nisso. As críticas apontam o estilo como negativo por vangloriar símbolos da União Soviética sem fazer uma crítica aos defeitos do regimento da época. Também foi alegado que a produção das peças por marcas europeias como Burberry e Gucci, que abordam o estilo pós soviete, se trata de apropriação cultural. O problema, apontado pelos críticos, era que a cultura eslava era resumida em roupas oversized, alfabeto russo e símbolos comunistas. Entretanto, a defesa dos criadores de moda é que eles são até hoje moradores das ex-repúblicas unidas levando sua assinatura pelo mundo. A visão deles é construir de forma irônica a visão ocidental sobre a cultura soviética no streetwear, que considera a moda eslava exótica comparada com à europeia.
Fonte: FFW | Matéria: Gabriel Fusari | Imagens: Reprodução
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